Para fazer uma Mudança no Trabalho, Conte a si Mesmo uma Narrativa Diferente – Monique Valcour e John McNulty

Os seres humanos anseiam por coerência. Desejamos ser fiéis a nós mesmos e agir de
forma coerente com aquilo em que acreditamos e valorizamos. Queremos viver e
trabalhar de maneira autêntica. Essa busca por coerência é inerente a nós; os psicólogos
muitas vezes se referem aos seres humanos como “máquinas produtoras de sentido”.
Nosso cérebro cria coerência unindo nossa experiência interna a nossa observação de
nosso ambiente por meio de um processo automático de narração que explica o motivo
pelo qual nós e os outros fazemos o que fazemos. À medida que repetimos para nós
mesmos as narrativas resultantes (muitas vezes inconscientemente), elas se tornam
roteiros e rotinas que guiam nossas ações. E, em vez de reconhecer essas narrativas
como as construções que de fato são, podemos erroneamente interpretá-las como
verdades imutáveis, como “o modo como as coisas são”.
Encontramos inúmeras narrativas entre nossos clientes de desenvolvimento de
liderança e coachingque moldam a maneira pela qual pensam e lideram, como por
exemplo, “Aqui tudo é sempre uma guerra “. Seja como for, nossas narrativas moldam
o que percebemos e como o interpretamos. Permeiam nosso modo de tomar decisões
e de nos comportar. Se, por exemplo, você enxerga seu local de trabalho como um
campo de batalha, espera hostilidade; está preparado para atacar e defender e poderá
pressupor que perdas são inevitáveis. Você poderá interpretar erroneamente as
intenções das pessoas e ignorar oportunidades de colaboração. Poderá chegar um
momento em que você precisará mudar a narrativa que o orienta para outra que lhe
permita buscar novas metas ou agir de maneira diferente.
Este foi o caso de Chris, um consultor de gestão que enfrentou uma crise na saúde e na
carreira. Logo que saiu da faculdade de administração, ele ingressara em uma empresa
de consultoria estratégica de alto nível e internalizara a narrativa de “macho alfa” que
incorporava o foco de sua empresa em relação à tenacidade, competitividade e
insaciável apetite por crescimento. Essa narrativa havia facilitado sua ascensão na
carreira. Uma década depois, no entanto, ele estava doente e afastado do trabalho. A
narrativa, outrora motivadora, agora o prendia em uma situação de sofrimento. Incerto
quanto ao que fazer, procurou um coach.
O primeiro passo para criar narrativas libertadoras consiste em identificar e examinar as
narrativas que você conta a si mesmo e aos outros. Isso o ajuda a entender o que você
defende e por que age e reage de sua maneira. Identifique um desafio pessoal ou em
equipe que está enfrentando. Qual é a narrativa básica que conta a si mesmo sobre esse
assunto? O desafio de Chris era que estava exausto e deixara de considerar seu trabalho
significativo. As longas horas, as viagens e as altas demandas de seu cargo estavam
afetando seriamente sua saúde física e mental. De acordo com a lógica da narrativa de
macho alfa que o guiava, ele deveria ter sido capaz de superar qualquer desafio por meio
da força de vontade e esforço, sempre priorizando o sucesso da empresa.
Uma vez que você tenha desenterrado uma narrativa e voltado a usá-la, o passo
seguinte é pensar em como isso o afeta. É repressor ou libertador? Seu estado físico
pode fornecer pistas. Quando Chris considerou seu sofrimento à luz dos padrões dele e
de seus colegas para a resistência ilimitada, sentiu-se como se tivesse levado um soco
no estômago. O que sua narrativa lhe permite criar? A de Chris não permitia nenhum
espaço para que ele cuidasse de si próprio, encontrasse diferentes formas de trabalho
ou definisse alternativas de sucesso, pois esses seriam sinais de fraqueza. O único
caminho que a narrativa lhe oferecia era se submeter e trabalhar mais. Ele percebeu
que não havia conexão entre o que ele queria — recuperar a saúde e encontrar um
significado maior em seu trabalho — e a narrativa que justificava o modo pelo qual ele
e seus colegas consultores pensavam e se comportavam.
Nossas narrativas raramente são criadas isoladamente; envolvem nossos
relacionamentos com outros. Portanto, trabalhar com os aspectos interpessoais de
nossas narrativas é um passo essencial para a criação de narrativas que apoiem o
desenvolvimento que desejamos. Chris e seus colegas aprenderam a aceitar a narrativa
do macho alfa quando ingressaram na empresa. Nas organizações, as narrativas
compartilhadas funcionam como mecanismos de controle que dizem aos funcionários o
que devem valorizar e como devem se comportar. Chris sentia-se em dívida com a
empresa e com o chefe que havia investido muito em sua carreira. Sua lealdade e
autoconsciência como colaborador de confiança e de alto desempenho tornaram difícil
para ele imaginar a rejeição da narrativa dominante, fazendo uma escolha que
contradizia o que os outros esperavam dele.
Se achar que uma das narrativas que o orientam limita você, o passo seguinte é pensar
no que gostaria de alterar e como sua narrativa precisaria mudar para ajudá-lo a
alcançar a transição. Chris queria adotar um estilo de vida mais saudável, encontrar um
novo propósito no trabalho e construir relacionamentos mais fortes com os membros
da família. Fazer essa mudança implicava escolher quais elementos de sua narrativa ele
deveria manter e quais deveria deixar de lado. Chris reafirmou seu compromisso com o
alto desempenho, o aprendizado contínuo e com o uso de suas grandes habilidades de
análise, comunicação e liderança. Manter esses elementos forneceu uma base sólida
para sua nova narrativa. Ele acrescentou o compromisso de fazer um trabalho
significativo que tivesse um impacto social positivo. Decidiu deixar de lado as partes de
sua narrativa que igualavam o compromisso profissional com o trabalho a uma
intensidade insustentável.
Chris buscou opções para o passo seguinte em sua carreira: um papel personalizado em
sua empresa ou um papel de liderança em uma organização sem fins lucrativos. Por fim,
decidiu que a segunda opção era mais coerente com sua nova narrativa de “saúde e
realização”. Chris tinha preocupações com a reação dos outros membros da empresa à
sua decisão de sair. Sua nova narrativa representava o abandono — aparentemente
incoerente — da antiga narrativa de macho alfa. Seu chefe inicialmente rejeitou a
explicação que ofereceu para sua demissão, dizendo: “Você só precisa de um tempo de
folga.”
Durante o processo de coaching, Chris refletiu sobre outras narrativas de vida que
haviam moldado sua identidade. Por exemplo, seus pais, imigrantes, sempre deram
grande valor à proximidade familiar; como eles, Chris acreditava na família como uma
unidade muito mais importante do que qualquer organização. Essa crença forneceu um
sistema radicular para apoiar o desenvolvimento de sua nova narrativa de carreira.
Fortaleceu sua convicção de se definir nos próprios termos e permitiu-lhe libertar-se da
narrativa compartilhada de macho alfa. Ao fazer sua nova narrativa com confiança, Chris
ajudou seu chefe e outros a vê-lo sob uma nova luz e a entender que sua decisão nasceu
de valores profundamente arraigados.
Uma vez que percebemos que nosso comportamento resulta das narrativas que
construímos e repetimos até que estejam profundamente consolidadas, tornamo-nos
mais capazes de criar narrativas libertadoras. Reconstituí-las para que nos ajudem a
avançar na direção que queremos seguir é um processo de escolha e produção de
sentido deliberado. Qualquer líder pode começar a desenvolver essa poderosa
habilidade, aprendendo a reconhecer as narrativas segundo as quais você vive —
individual e coletivamente, como equipe ou organização — examinando seus efeitos e
refinando-os para enfatizar elementos empoderadores. As recompensas de fazê-lo
incluem um maior senso de empatia, coerência e libertação.

Monique Valcour é coach executiva, palestrante principal em conferências e professora
de administração. Ela ajuda os clientes a criar e manter empregos, carreiras, locais de
trabalho e vidas gratificantes e de alto desempenho.

John McNulty é diretor administrativo da People Focus Consulting, uma empresa global
de consultoria de desenvolvimento organizacional sediada no Japão.

Fonte: Harvard Business Review Brasil

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