Salas de espera em hospitais e maternidades com certeza não estão na minha lista de top 10 lugares mais agradáveis para se estar. Por ali passam pessoas felizes pelo nascimento de um filho, outras a passos lentos e um leve sorriso por sua recente recuperação, mas também se notam rostos apreensivos e até semblantes de pura ausência pela notícia de lutas que já não valem a pena serem enfrentadas.
Pois é. Lá estava eu, no dia 4 de julho de 2017, sentado em um daqueles estranhamente confortáveis sofás do Hospital Albert Einstein, aguardando notícias e acompanhando a batalha de Maria Helena, minha primeira filha, nascida prematura de quase 36 semanas, intubada em uma UTI neonatal para se recuperar da falta de oxigenação no momento do parto. Por mais que médicos dissessem que os prognósticos eram bons, era inevitável sentir um grande e angustiante aperto no coração.
Ao mesmo tempo, quando não pensava em Maria Helena me vinham à mente ideias sobre como faria para mudar os rumos da empresa onde trabalhava. Exatamente uma semana antes, eu havia sido promovido de CFO para CEO do Grupo Cel.Lep. Deixara de apenas guiar decisões financeiras para assumir o controle de toda direção do grupo, já visualizando entregas — extraordinariamente importantes — dos meus primeiros 100 dias que estavam por vir, e depois os cinco anos de planos a se cumprirem.
Como sei que ideias chegam e desaparecem num piscar de olhos, pedi um bloquinho de anotações e uma caneta da própria recepção do hospital e comecei ali mesmo a rascunhar e desenhar tudo o que eu poderia fazer para definir as diretrizes estratégicas do grupo, pensando em como colocar a inovação como a mola propulsora do meu plano estratégico para promover uma disrupção na indústria da Educação, tão analógica no Brasil. Aliás, eu certamente não sou a primeira pessoa que lhe recomenda manter um caderno de anotações sempre à mão, até na cabeceira da cama, para que boas ideias não escapem e se percam pelo caminho ou com o sono, pois estes insights têm poder avassalador quando amadurecidos e colocados em prática.
Minha história profissional começou muito cedo, aos 18 anos, quando assumi a direção geral da empresa júnior na faculdade para rapidamente, aos 24 anos, chegar ao cargo de gerente em uma empresa de auditoria e consultoria tributária. Passei por funções sempre ligadas ao mundo financeiro como tax planning manager, controller e diretor financeiro, até ser contratado, em 2012, pelo HIG Capital, um fundo de investimentos americano de private equity. Ali começava um novo e marcante momento da minha carreira profissional.
Acostumado com gestões profissionalizadas, com uso intensivo de sistemas automatizados, me deparei, por um lado com uma cultura muito forte, onde os colaboradores eram muito engajados em prover ensino de alta qualidade, e por outro, com processos e controles internos operacionais e financeiros muito ultrapassados. Imagine que, em 2012, o fundador da empresa, que se retirou e aposentou após a venda, ainda realizava pagamentos com cópias de cheque carbonadas e o laboratório de línguas ainda funcionava com fitas K7. Ali eu vi que as mudanças precisavam acontecer de maneira rápida, ainda que respeitando a tradição da empresa.
Naquela troca de comando da escola, identificamos que o foco principal seria a profissionalização da gestão. Era preciso deixar a empresa familiar, que até então já havia realizado um trabalho fantástico de construção de imagem e reputação, para adotar padrões de mercado mais atuais quanto à gestão dos negócios, promovendo um profundo e extenso turnaround.
Disrupção — necessária ou inevitável?
Até 2017, durante 50 anos, para o aluno consumir nosso produto, ele precisava ir a alguma de nossas unidades de rua, ou encontrar nossos professores em uma das nossas unidades dentro de empresas (modelo in-company), ou até frequentar escolas regulares que tinham parceria com o Cel.Lep (modelo in-school). Ou seja, nosso core era 100% presencial. Nós estávamos no centro, e os alunos circulavam em torno da escola.
A excelência do ensino era irretocável, mas precisávamos nos antecipar às mudanças de comportamento que o mercado já anunciava em um horizonte próximo.
Então, percebi que a disrupção do modelo educacional seria colocar o aluno no centro de tudo. Minha visão estratégica era fazer com que tanto adultos quanto crianças pudessem consumir “como”, “quanto”, “quando” e “onde” eles quisessem. Assim, se o aluno quiser se manter apenas em cursos presenciais, ele terá todos os benefícios do curso presencial das nossas unidades de rua, empresas ou escolas regulares. Se não quiser, pode optar pelo modelo virtual, digital, ou até mesmo nosso sistema de ensino, tendo sempre a qualidade, excelência e inovação como nossos principais pilares, não obstante a plataforma de consumo escolhida.
Outra importante necessidade que percebemos no mercado era ajudar escolas regulares a implementarem um sistema de ensino bilíngue na grade curricular de ensino com melhores índices de aprendizagem. Então, em 2018, desenvolvemos especialmente para este propósito um sistema de ensino que permite que escolas adotem nosso conteúdo programático para o ensino intracurricular, ou até mesmo possam partir para uma opção de solução bilíngue, com duas horas diárias de ensino na língua inglesa dentro das atividades normais da escola.
Isso tudo foi surgindo justamente daquela percepção que tínhamos de uma inevitável mudança de comportamento de consumo por toda a sociedade, principalmente na faixa de público que nós sempre atuamos. O Cel.Lep, de fato, oferece cursos com um ticket médio mais alto que a concorrência, justamente por entregar um produto premium que permite aos alunos atingirem uma altíssima taxa de aprovação nos principais exames de proficiência no idioma. No Cel.Lep, as pessoas terminam o curso e realmente saem falando inglês fluentemente.
Outra análise de demanda do mercado foi encontrar um nicho que tem um potencial enorme de crescimento, que é o ensino de programação (“coding”), algo cada dia mais presente na vida das pessoas. Seguramente, as crianças que crescerem tendo isso em sua gama de conhecimentos terão um enorme diferencial competitivo no mercado de trabalho do futuro.
Transformação digital — um caminho sem volta
Quando falamos em disrupção, é preciso deixar claro que não estamos falando apenas de criar plataformas em ambientes digitais. Precisamos encarar este processo como uma mudança na forma de pensar e na forma de ensinar, tornando o processo de aprendizagem moderno e mais eficiente. Para mim, é muito evidente que a transformação digital de verdade deve acontecer dentro de cada um de nós. É preciso que os recursos tecnológicos, como inteligência artificial e realidade aumentada, sejam efetivamente inseridos na metodologia pedagógica, nos permitindo ir além de criar um site, aplicativo ou apenas utilizar as ferramentas e livros digitais.
Para mim, esses são os dois fatores-chave. Porém, para se chegar neste estágio, que é onde a transformação digital acontece de verdade, é preciso primeiro interiorizar esse pensamento em toda a empresa, e não apenas no C-Level ou no board. Por conta disso, a partir de 2018 começamos um forte trabalho cultural, para que todo nosso corpo de colaboradores — com mais de 400 pessoas —, estivesse na mesma página da liderança.
O Cel.Lep possui mais de 53 anos de tradição e um time formado por uma mistura muito interessante de profissionais seniores e de jovens, algo que impulsiona a criatividade e a diversidade. São pessoas comprometidas e engajadas que adotaram essa nova visão e cultura organizacional e foram fundamentais para a mudança de mindset.
Mudar essa chave na forma de pensar educação é muito complexa e difícil, principalmente no Brasil. Se pararmos para pensar, nosso modelo de educar ainda carrega uma forte influência dos jesuítas, que tiveram importante papel educacional no Brasil desde 1549, mas que resultaram na perpetuação de um modelo hoje considerado arcaico, composto por sala de aula, carteira, livro, lousa e giz, com todos os alunos sentados, enfileirados, e com o professor à frente de todos, no alto de um tablado.
Parafraseando Juscelino Kubistchek, acredito que vamos evoluir mais nos próximos cinco anos do que nos últimos 50. Tenho certeza disso, e me respaldo no que estamos planejando e construindo dentro do Cel.Lep. Foram muitos workshops, reuniões, materiais de apoio, treinamento para nossos colaboradores (em especial, os docentes), sempre ambientando esse movimento aos equipamentos e aplicativos já existentes, mas principalmente falando sobre a adoção sistêmica das novas tecnologias.
Em 2018 apostamos todas as nossas fichas nessa percepção de uma mudança global sobre a forma de consumir. Hoje, olhando pelo retrovisor, não tenho dúvidas de que esta foi a decisão mais acertada que a empresa poderia ter tomado. Obviamente, não foi um caminho fácil, mas foi um caminho muito coerente e de pequenas progressões diárias, com muita disciplina e resiliência. Somente assim foi possível alcançar o sucesso nessa migração, onde auferimos um aumento de mais de 350% no número de alunos assistidos por nossas soluções, dentre 2017 e 2021.
Inovar, inovar e inovar. E, depois, inovar ainda mais
Para uma escola fundada em 1967, e que obteve tamanho sucesso e reconhecimento, principalmente no Estado de São Paulo, é normal sempre escutarmos perguntas vindas de todos os lados sobre qual a razão de nunca termos aberto o negócio para a criação de franquias. Realmente, o mercado dos cursos de idiomas passou por um boom de franqueamento na última década, que espalhou unidades de ensino por todos os lados.
É até difícil pensar em um bairro onde você não tenha pelo menos uma ou duas escolas de marcas mais populares.
Então, em 2012, esta foi a primeira pergunta que nós mesmos nos fizemos. Seria este o momento de mudar a estratégia? A manutenção de um modelo baseado apenas em unidades próprias foi uma decisão da família do fundador, professor Walter, que, aliás, atuou na gestão da empresa até os seus 92 anos.
Se havia um momento certo para esta mudança, seria ali, quando preparávamos nosso planejamento de atuação estratégica para os próximos anos. Abrir franquias mudaria bastante o perfil da escola. E acho que foi justamente isso que nos fez desistir dessa ideia: mudar o perfil da escola poderia significar, em outras palavras, também a perda daquilo que o Cel.Lep tinha de mais forte em sua análise de SWOT: a tradição e excelência do ensino. Inundar o mercado com novas unidades não nos permitiria manter o controle dos altos níveis de qualidade, nem tampouco conservar a essência de nossas maiores “strenghts”.
Analisando o negócio, ainda identificamos a inovação como uma força muito grande. Não obstante ao fato de ser uma escola tradicional, o Cel.Lep foi inovador ao trazer os laboratórios de inglês para o Brasil sendo um diferencial muito forte desde o seu lançamento em 1967. Então, foi consenso que deveríamos preservar essa veia inovadora e investir ainda mais pesadamente, pois a inovação está forjada no DNA da empresa, onde trazemos sempre o que há de mais moderno e revolucionário em termos de ensino.
Hoje, estamos trabalhando para o próximo passo, que é um ensino baseado num sistema de acompanhamento muito customizado e individualizado para cada aluno, onde ele poderá realizar seu curso seguindo o conteúdo programático para seu nível/estágio, suportado por um avançado sistema de inteligência artificial que irá identificar — com precisão cirúrgica — seus avanços, tanto naquilo que ele, aluno, está aprendendo e assimilando com facilidade, podendo assim oferecer a possibilidade de um avanço mais rápido nesses temas, quanto naqueles em que apresenta maior dificuldade e, assim, oferecer estudos e exercícios de reforço e aprimoramento. Enfim, a inteligência artificial irá revolucionar a forma como alunos trilham seu desenvolvimento.
Parcerias estratégicas e certificações — comprometimento genuíno com a excelência
Acredito que um item muito importante na criação da nossa imagem e reputação é que o discurso de qualidade, excelência e inovação não está apenas em palavras bonitas na empresa. Se autoproclamar é muito diferente do que ser reconhecido. Uma das formas de reconhecimento é contar com a validação de nossos alunos, que, de promotores da marca, tornam-se fãs. Durante a pandemia, após termos migrado as aulas presenciais para as plataformas digital e virtual, com salas de aula no Zoom e a adaptação super ágil de muitos conteúdos, tivemos mais de 90% de retenção de nossos alunos, que renovaram suas matrículas. Isso é, sem dúvida, o reconhecimento da nossa excelência, mas principalmente o reconhecimento de nossa versatilidade e capacidade de adaptação aos novos tempos.
Outra validação que muito nos orgulha é sermos, desde 2018, a única escola de idiomas e de programação do Brasil a ter sua matriz certificada pelo PEA-UNESCO (Programa das Escolas Associadas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Além disso, em 2019 e 2020 ganhamos o Prêmio Top Educação como a melhor escola de idiomas do País.
Ainda em 2020, recebemos o selo GPTW (Great Place To Work), algo que reforça não só o nosso perfil educador, mas também de uma instituição que valoriza as pessoas e o ambiente de trabalho saudável. Somos uma empresa preocupada com a diversidade e com a inclusão, com uma equipe formada por mais de 60% de mulheres, e ainda focada em promover boas práticas de inclusão e de responsabilidade social. Entendo que a educação deve ser acessível a todos, e que devemos, como empresários e executivos da iniciativa privada, ter papel proativo em auxiliar na redução das desigualdades educacionais em todo o território nacional. Neste sentido, temos uma parceria muito importante com o CEAP (Centro Educacional Assistencial Profissionalizante), do qual faço parte do conselho, eleita em 2019 a melhor ONG de Educação do Brasil e, em 2020, a melhor ONG da região Sudeste, localizada em Pedreira, uma enorme área com índices de extrema carência na região metropolitana de São Paulo, para a qual o Cel.Lep fornece, gratuitamente, seu sistema de ensino de inglês, colaborando para a formação dos alunos daquela comunidade.
Gosto sempre de destacar que a evolução profissional passa invariavelmente pelo binômio trabalho árduo e muito estudo, pois é assim que estaremos preparados e empenhados em nossas funções para alcançarmos os objetivos, independentemente de alguns percalços que possam surgir pelo caminho. A humildade — em especial — é uma das principais virtudes do empreendedor e dos executivos de sucesso, pois ela proporciona um ambiente muito fecundo para identificar rapidamente gaps e pontos de melhoria, nos deixando muito mais propensos a procurar parceiros que complementem ou suplementem nossas fortalezas ou mesmo dirimam nossas franquezas, aumentando nossa capacidade de geração de valor.
Nesse contexto, dentre as inúmeras parcerias que firmamos, destaco quatro, pelo condão de serem parcerias estratégicas que comungam da minha visão sobre tudo o que escrevi até agora neste artigo e que colaboram para estarmos ligados e antenados a tudo o que está ocorrendo no mundo em termos de inovação e tecnologia.
Para crianças e adolescentes que estudam programação em escolas regulares, temos uma parceria firmada com a Apple para a aplicação do curso ECC (Everyone Can Code). Nossos profissionais são treinados e certificados pela própria Apple para replicar este sistema de ensino aos professores que irão trabalhar com as crianças nas escolas regulares.
Outra parceria é com a National Geographic Learning, que nos auxilia a criar conexões mais fortes entre crianças e adolescentes com o aprendizado da língua, preparando-os para o mundo moderno com todas as habilidades do século XXI. Assim, desenvolvemos um conceito de PBL (Project Based Learning), onde o jovem pode desenvolver seus próprios projetos, tendo o inglês como o pano de fundo para todos os seus trabalhos.
Temos também uma parceria especial com o Facebook, em um projeto social que se chama Estação Hack: o primeiro centro para inovação criado pelo Facebook no mundo. Desde o início em 2017, já capacitamos, de forma presencial e remota, mais de 3.500 jovens em situação de vulnerabilidade financeira, promovendo a oportunidade de acesso a um conteúdo que muitas vezes pode representar o início da carreira para estas pessoas. Com cursos de desenvolvimento de aplicativos, websites, interface e experiência do usuário e inglês instrumental para tecnologia, em 2021 vamos atender mais de cinco mil alunos, com a ampliação de nossa atuação no projeto.
Também estruturamos uma parceria com a CCXP Brasil (do grupo Omelete), onde fincamos a nossa bandeira em 2018, e com quem continuamos sendo parceiros até hoje, sendo a única instituição de ensino presente num ambiente tão multigênero e de entretenimento como a Comic-Con. Nosso estande na CCXP é totalmente voltado à experimentação, com realidade virtual, robótica, conversas sobre os temas de interesse dos jovens, games e todo tipo de novidade que possamos testar e integrar nas nossas metodologias de ensino.
Em suma, entendo que essas quatro ações demonstram a nossa estratégia formulada em 2017 de fortalecimento da transformação digital e adaptabilidade aos novos padrões de consumo, promovendo disrupção na indústria de educação, destacando que o DNA do Cel.Lep não tem apenas excelência, qualidade e tradição, mas também o pioneirismo e o protagonismo como uma marca da nossa presença no mercado.
E, se você talvez estiver se perguntando sobre onde estão os papéis do hospital, que usei para criar a estratégia de planejamento e reinvenção do Cel.Lep em minha primeira semana como CEO; eles podem estar guardados num fundo de gaveta, ou posso estar usando-os neste momento como cola para escrever tudo isso que eu lhes contei, mas o que importa mesmo é que, sentado ali na recepção do hospital, Maria Helena estava mudando minha vida, não apenas por me tornar pai, mas também — junto com o Theodoro, nascido agora no meio da pandemia — por serem grandes e constantes fontes de inspiração para que eu possa ajudar a transformar a vida de outras pessoas por meio da Educação.
Alexandre Velilla Garcia é CEO do Grupo Cel.Lep e eleito Profissional do Ano 2020 pela ANEFAC.