Livro, um negócio em transformação

por Paulo Verano

Pode-se supor que o e-book venha enfim se tornar um suporte de grande relevo. Some-se a cultura do grátis presente na internet a uma fortalecida cultura da pirataria e à ampla concorrência online e offline e temos ingredientes que nos sugerem que o assunto merecerá importante acompanhamento. A história do livro está longe de seu fim.

É sentido por todos nós, nas mínimas atividades do dia a dia, o quanto o mundo vem mudando em ritmo acelerado, alterado que foi, e vem sendo, por uma série de eventos que se combinam, se contrapõem, interagem e operam essas modificações. Olhar para o livro nos serve de metáfora, mas também tem alcance concreto. O livro é, desde tempos imemoriais, um invento extraordinário que nos serve para entender o mundo. Isso vale para os papiros egípcios, para os livros indianos esculpidos em folhas de palmeiras, para as primeiras experiências romanas de livros costurados e vale, é claro, para o livro pós-Gutenberg, do século XV para cá, que tem a cara com que o conhecemos, e que antecede os caminhos digitais que o século XXI vem acelerando.

O LIVRO COMO ESPELHO DE MUDANÇAS VELOZES

Até fins do século XX, não é exagero dizer que o livro e o mercado editorial avançaram dentro de um tempo que combina com a leitura dedicada: analógico, linear, submetido aos limites e possibilidades de sua produção, comercialização e circulação. E com cadeia clara: escritor, editor, gráfico, distribuidor, livreiro, leitor.

Dos anos 1990 para cá, vimos assistindo a uma série de modificações nesse roteiro. Aparentemente aos poucos, mas em perspectiva histórica de modo sempre veloz, o mercado editorial foi se complexificando em nível global. As pequenas editoras familiares foram sendo compradas por grandes conglomerados. Os livreiros especializados foram vendo suas pequenas livrarias de rua serem substituídas por grandes lojas de shopping.

Um novo salto no tempo nos levará ao início da segunda década do século XXI: o livro digital, anunciado como grande modificador da realidade leitora na virada para os anos 2000, não só não substituiu o livro, como acompanha a sua nova guinada. A tecnologia gráfica vai-se tornando cada vez mais barata e, com ela, associada à nova dinâmica contemporânea proporcionada pela internet, ao surgimento de uma nova cena editorial que precisa ser vista, necessariamente, em duas perspectivas: cada vez mais organizada em grandes conglomerados, mas também cada vez mais diluída em inúmeras iniciativas editoriais que modificam a cadeia editorial por completo.

“PROFISSIONALIZAÇÃO” DO MERCADO

A profissionalização do mercado editorial, a partir dos anos 1990, veio acompanhada de alguns efeitos colaterais: (a) a lucratividade acima de tudo, com os negócios indo de familiares a corporativos, às vezes pondo de lado a qualidade editorial pelo financismo e pela dependência governamental ao invés da formação de um mercado leitor; (b) o malfadado modelo das livrarias de shopping substituindo as de rua, levando a impactos na bibliodiversidade, na urbanidade, na irreal dependência de best-sellers; (c) a massificação do modelo de consignações e suas consequências ao mercado editorial.

Na atualidade, em contrapartida, há um estilhaço benéfico ao mercado editorial, embora explicite sua crise. Continuam as corporações e certa redução do fazer editorial em prol do lucro, mas proliferam novos negócios editoriais. São tanto novas livrarias de rua que recuperam a figura do livreiro curador, quanto editoras independentes que põem o fazer editorial e o livro como bem cultural no cerne de seu negócio, numa concertação entre ambos: essas editoras comercializam seus livros nessas livrarias e se descolam das grandes redes. E também comercializam seus livros diretamente, por meio de e-commerce, feiras de publicações e outras iniciativas.

Isso nos põe em contato com uma criatividade pujante pelas brechas, como faziam determinados editores independentes que operaram a contracultura dos anos 1980. Mas com uma diferença importante.

A Pólen Livros, da editora Lizandra Magon de Almeida, também surgiu no início da segunda década do século XXI. Absolutamente sintonizada com este, vê a cada dia seus autores galgarem mais espaço em locais que antes não seria possível que alcançassem. A socióloga Djamila Ribeiro, no topo de todos os rankings com um título publicado pela Companhia das Letras (Pequeno Manual Antirracista), é também autora da Pólen Livros, com Lugar de Fala. O filósofo e jurista Silvio Almeida, que em junho alcançou audiência inédita no relevante programa Roda Viva, da TV Cultura, é outro autor da Pólen Livros, e seu livro Racismo Estrutural também frequenta as listas dos livros mais vendidos.

Diversas outras editoras poderiam nos servir aqui de exemplo para esse novo momento editorial brasileiro, e isso nos serve para detectar o óbvio: os editores hoje têm a possibilidade, graças a um conjunto de fatores, de fazerem o que sabem fazer, com a priorização da qualidade e do debate e beneficiando-se da possibilidade de grande capilaridade.

O “NOVO” INDEPENDENTE

Diferentemente da cena independente dos anos 1980, há hoje, por conta dos avanços tecnológicos, uma maior possibilidade de realização e de publicização do que é realizado. Hoje é possível editar de modo independente, para pequenos nichos, mas, ao mesmo tempo, chegar a soluções híbridas, que permitem que os livros cheguem à grande imprensa e ao seu público — seja ele de nicho ou massivo.

Surgem novos independentes editoriais. Tomemos a editora Lote 42, criada em 2012 e hoje com grande representatividade, com seus editores Cecilia Arbolave e João Varella sendo exemplares da mudança ao terem conseguido criar um mercado: suas feiras independentes movimentam milhares de pessoas. Seus autores são provenientes de espaços de relevo, seus livros aparecem nos jornais, nas tevês e, principalmente, na internet, onde as redes sociais os conectam com seu público.

PARA ENCERRAR

Em situações como a atual — de forte pandemia global que atinge ao Brasil em cheio —, com impactos notórios na saúde e na economia, as consequências também chegam ao livro. Pode-se supor que o e-book venha enfim se tornar um suporte de grande relevo. Some-se a cultura do grátis presente na internet a uma fortalecida cultura da pirataria e à ampla concorrência online e offline e temos ingredientes que nos sugerem que o assunto merecerá importante acompanhamento. A história do livro está longe de seu fim.

     Paulo Verano é doutor em Ciência da Informação pela ECA-USP, onde leciona no curso de graduação em Editoração. É diretor acadêmico dos cursos de Publishing da Casa Educação e, após passagens como diretor editorial no Grupo Planeta e como gerente editorial de Literatura e Paradidáticos das editoras Ática-Scipione (Somos Educação), criou em 2016 sua própria editora independente, a Edições Barbatana, em parceria com a designer Angela Mendes.

Fonte: Revista Ensino Superior

https://revistaensinosuperior.com.br/

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