Como construir uma carreira ética

Uma abordagem em três etapas para lidar com situações que desafiam seus preceitos morais no trabalho.

Muitos de nós nos vemos como boas pessoas. Planejamos ser éticos e temos esperança de que em momentos cruciais isso será reconhecido. Mas quando se trata de construir uma carreira ética, boas intenções não bastam.

Décadas de pesquisas identificaram processos sociais e psicológicos, bem como preconceitos que obscurecem o julgamento moral das pessoas, levando-as a quebrar seus próprios valores e, com frequência, criar justificativas distorcidas e post hoc para seu comportamento. Então, de que maneira você pode garantir que dia após dia e década após década você fará a coisa certa em sua vida profissional?

O primeiro passo é passar a adotar a mentalidade que denominamos humildade moral — o reconhecimento de que todos nós temos a capacidade de cometer uma transgressão caso não estejamos atentos. A humildade moral força as pessoas a admitir que tentações, racionalizações e situações podem fazer com que até os melhores seres humanos se comportem de modo nefasto; além disso, encoraja-as a pensar a ética não apenas como uma forma de evitar o ruim, mas como encontrar o bom. A humildade moral faz com que as pessoas vejam esse tipo de desenvolvimento de caráter como algo a buscar ao longo de toda a vida. Realizamos pesquisas a respeito da moralidade há mais de uma década e, com base em nossas próprias descobertas e nas de outros pesquisadores, sugerimos que as pessoas que desejam construir carreira ética devem levar em conta uma abordagem composta de três etapas: (1) Preparar-se para enfrentar desafios morais; (2) Tomar decisões corretas no momento; e (3) refletir a respeito dos sucessos e dos fracassos morais, bem como aprender com eles.

PREPARAR-SE PARA SER BOM
Preparar-se para desafios éticos é importante porque as pessoas têm plena consciência do que devem fazer quando pensam no futuro, mas tendem a se concentrar no que querem fazer no presente. Essa tendência de superestimar a virtude do nosso eu futuro é parte do que Ann Tenbrunsel e seus colegas da University of Notre Dame chamam de miragem ética.

A neutralização dessa tendência começa com o entendimento tanto de seus pontos fortes como dos fracos. Quais são seus valores? Quando você está mais propenso a quebrá-los? Em seu livro A estrada para o caráter, David Brooks distingue as virtudes curriculares (capacidades, habilidades e conquistas que você pode colocar em seu currículo, tais como “aumentei o retorno sobre investimento em 10% em um projeto multimilionário”) e virtudes laudatórias (referências elogiosas em memória de pessoas falecidas: amigo leal, bom caráter, trabalhador dedicado). Embora as duas categorias possam se sobrepor, virtudes curriculares geralmente dizem respeito ao que você fez para si mesmo, ao passo que as virtudes laudatórias referem-se à pessoa que você é e ao que fez para os outros — ou seja, seu caráter.

Dessa forma, pergunte-se: que virtudes laudatórias estou tentando desenvolver? OU, como indaga o guru da gestão Peter Drucker: “Pelo que você deseja ser lembrado?” e “De que maneira deseja dar sua contribuição?”. Estruturar sua vida profissional de modo que ela seja uma procura por contribuição, e não por conquistas, pode mudar fundamentalmente a forma como você encara sua carreira. E é útil levar em conta essas questões de maneira antecipada, antes de desenvolver mentalidades, rotinas e hábitos difíceis de ser mudados.

A criação de objetivos também pode assentar as bases para o comportamento ético. Profissionais frequentemente estabelecem metas para muitos aspectos de sua vida profissional e pessoal; ainda assim, poucos pensam em abordar a ética dessa mesma maneira. Benjamin Franklin escreveu uma passagem famosa em sua autobiografia em que comenta a tentativa de dominar 13 traços que considerava essenciais para uma vida virtuosa (incluindo diligência, justiça e humildade). Ele chegou a criar um gráfico para monitorar seu progresso diário. Não sugerimos que todos se envolvam em uma documentação igualmente rígida, mas recomendamos que se sentem e escrevam objetivos voltados para a virtude laudatória que sejam desafiadores, porém alcançáveis. Isso é parecido com o que Clayton Christensen, da Harvard Business School, defende em seu artigo “Que critérios pautarão sua vida? ”, publicado na Harvard Business Review Brasil na edição de novembro de 2016. Depois de lutar contra um câncer, Christensen decidiu que sua métrica mais cara era “as pessoas cuja vida eu de alguma forma toquei”.

Contudo, mesmo os objetivos mais bem delineados não passam de boas intenções. Devem ser reforçados por salvaguardas pessoais — isto é, hábitos e tendências que demonstraram ser capazes de trazer à tona o que as pessoas têm de melhor. Por exemplo, estudos indicam que uma boa noite de sono, orações (para os religiosos), e mindfulness podem ajudar as pessoas a administrar e fortalecer seu autocontrole e a resistir às tentações profissionais.

Recomendamos também um planejamento do tipo “caso aconteça” — o que o psicólogo Peter Gollwitzer chama de intenções de implementação. Dezenas de estudos mostram que essa prática (“caso aconteça isso, então faço aquilo”) pode ser eficaz na mudança de comportamento, principalmente quando tais planos são repassados em voz alta. Podem ser simples, mas devem ser específicos, conectando uma indicação situacional (gatilho) a um comportamento desejado. Por exemplo: Caso meu chefe me peça algo potencialmente antiético, então vou procurar um amigo ou um mentor de fora da empresa para pedir conselho antes de agir. Caso me ofereçam suborno, então vou consultar a equipe jurídica da minha empresa e as políticas formais em busca de orientação. Caso eu testemunhe assédio sexual ou preconceito racial, então vou imediatamente defender a vítima. Fazer esse tipo de plano pesando em seus pontos fortes, fracos, valores e circunstâncias pode ajudar a protegê-lo de lapsos em seu autocontrole, ou de inação quando agir se faz necessário. E lembre-se: estar preparado antes da situação é fundamental.

Mentores podem, também, auxiliá-lo a evitar erros de conduta ética. Ao ampliar sua rede de conexões profissionais e ao desenvolver relações com consultores, não procure somente aqueles que são capazes de acelerar seu crescimento profissional; leve em conta também quem pode apoiá-lo quando decisões morais estiverem em jogo. Construa conexões com pessoas de dentro e de fora da empresa cujos valores sejam parecidos com os seus e às quais você possa pedir conselhos sobre questões éticas. Nós dois contamos com nossos mentores para nos aconselhar em relação a situações em que a ética estava envolvida e ensinamos nossos alunos de MBA a fazer o mesmo. Ter uma rede de contatos que seja solidária — e, em especial, um mentor eticamente confiável — pode também lhe render oportunidades para causar impacto positivo em sua carreira.

Após ter se comprometido a levar uma vida ética, não fique tímido em tornar pública sua decisão. Ninguém gosta de pessoas que dão ares de superioridade, mas mostrar aos colegas, de maneira sutil, características morais pode ser altamente benéfico. É possível fazer isso discutindo com clareza desafios morais em potencial e sua reação ao deparar com eles; ou desenvolvendo uma reputação que mostre que você é alguém que faz as coisas de modo correto. Por exemplo, em um estudo conduzido por Maryam, os participantes mostraram-se bem menos propensos a pedir a um parceiro virtual que se envolvesse em alguma situação que ensejasse comportamento antiético depois de terem recebido dele um email que continha, junto com a assinatura, alguma frase de cunho moral (algo como “Sucesso sem honra é pior do que fraude”).

Conversas diretas podem ser difíceis, uma vez que as pessoas em geral hesitam em discutir situações com princípios éticos envolvidos. Porém, se você acha que isso é possível, sugerimos que as tenha com seus colegas, pois a ambiguidade é terreno fértil para a racionalização direcionada para o interesse próprio. De maneira prudente, faça perguntas esclarecedoras e deixe claras suas expectativas. “Acho importante não cruzarmos nenhuma fronteira ética aqui”, por exemplo.

Todos nós somos mais moldados por nosso ambiente do que imaginamos, por isso é crucial escolher um local de trabalho que lhe permita, caso não o encoraje, comportar-se de maneira ética. Não surpreende que empregados que sentem que suas necessidades, capacidades e valores se adéquam bem aos de sua empresa tendam a ficar mais satisfeitos e motivados — e a ter melhor desempenho — do que seus colegas desprovidos do mesmo senso de alinhamento. Claro que muitos fatores são levados em conta na escolha de um emprego — mas, em geral, as pessoas costumam dar muita ênfase a métricas tradicionais, como remuneração e oportunidades de promoção, e pouca à adequação moral. Nosso estudo, bem como o de outros pesquisadores, mostrou que o estresse ético é um bom indicador de fadiga do funcionário, diminuição da satisfação e motivação no trabalho e aumento da rotatividade na empresa.

Alguns setores parecem ter regras culturais mais ou menos passíveis de desonestidade. Em um estudo, quando funcionários de um grande banco internacional foram lembrados de sua identidade profissional, eles, em média, demonstraram predisposição maior de trapacear do que seus colegas que não eram do alto escalão e haviam recebido o mesmo lembrete. Isso não quer dizer, é claro, que todos os que ocupam cargos importantes em instituição bancária são antiéticos ou que apenas pessoas antiéticas devem seguir a carreira bancária (embora, de fato, ressalte como é importante para os bancos priorizarem a contratação de empregados com integridade moral). Todavia, recomendamos a toda pessoa iniciante em novo emprego que aprenda tudo o que puder sobre a empresa e sobre o setor, e assim esteja preparada para situações em que possa haver comprometimento moral. Entrevistas de emprego quase sempre terminam com esta pergunta ao candidato: “Você tem alguma pergunta a nos fazer?”. Uma resposta possível é: “Que tipos de dilema ético podem ser encontrados neste cargo?” ou “O que a empresa faz para promover práticas éticas nos negócios?”.

Pesquisas demonstram também que determinados elementos do ambiente profissional podem aumentar ou diminuir o autocontrole, independentemente das normas culturais: incerteza, muitas exigências cognitivas, tarefas que exigem muitas horas adicionais e frequentes inclusões de metas adicionais, tudo isso está relacionado com o aumento de condutas antiéticas. Com o tempo tais pressões podem aumentar ou diminuir, mas em períodos de intensidade a atenção deve ser redobrada.

TOMAR DECISÕES CORRETAS
Mesmo que você tenha planejado ter uma carreira ética e garantido salvaguardas, pode ser difícil enfrentar desafios morais quando as situações se apresentam. Às vezes as pessoas ignoram as implicações de suas decisões — ou encontram formas fantasiosas de racionalizar o comportamento imoral e em causa própria. Em outros casos, enfrentam dilemas cuja decisão correta não é óbvia —a escolha entre a lealdade a um colega ou a um cliente; ou uma solução proposta que terá impacto tanto positivo quanto negativo externamente, tais como bons empregos, mas também problemas ambientais. Existem diversas maneiras de administrar situações-chave como essas.

Em primeiro lugar, afaste-se de cálculos tradicionais como a análise de custo e benefício e retorno sobre investimento. Desenvolva o hábito de procurar por questões morais e implicações éticas que estejam em jogo em determinada decisão e de analisá-las usando diversas perspectivas filosóficas. Por exemplo, da perspectiva da deontologia baseada em regras (o estudo da obrigação moral), pergunte-se quais regras ou princípios são relevantes. Determinada ação o levará a quebrar o princípio da honestidade ou do respeito aos outros? Da perspectiva do utilitarismo baseado em consequências, identifique potenciais resultados para todas as partes envolvidas ou afetadas, seja direta ou indiretamente. Qual o bem maior para o maior número de pessoas? E da perspectiva aristotélica da virtude ética, indague-se: que atitudes revelariam uma pessoa virtuosa?. Cada uma dessas filosofias tem vantagens e desvantagens, mas levar em conta os critérios essenciais de tomadas de decisão de todas elas — regras, consequências e virtudes — diminuirá a possibilidade de você ignorar considerações éticas importantes.

Contudo, a mente humana é hábil em justificar comportamentos moralmente questionáveis quando é atraída por seus benefícios. Nós frequentemente nos dizemos “Todo mundo faz isso”, “Estou apenas seguindo as ordens do meu chefe”, “É para um bem maior”, “Não estou assaltando nenhum banco” e “A culpa é deles mesmos, eles merecem”. Três testes podem auxiliá-lo a evitar racionalizações autoenganadoras.

O teste da publicidade. Você se sentiria à vontade caso sua escolha e as razões por trás dela fossem publicadas na primeira página do jornal?

O teste da generalização. Você se sentiria à vontade se sua decisão servisse como precedente para todas as pessoas que enfrentam situação semelhante?

O teste do espelho. Você sentiria apreço pela pessoa refletida no espelho depois de tomar determinada decisão — é esta pessoa que você quer ser?

Se a resposta a qualquer uma das perguntas for não, pense com cuidado antes de seguir em frente.

Estudos mostram também que as pessoas são mais suscetíveis a agir de maneira antiética se sentem que estão sendo pressionadas. Pouquíssimas decisões devem ser tomadas no primeiro momento. Usar de tempo para refletir ajuda a ver as coisas em perspectiva. Em um experimento clássico de psicologia social, alunos do Seminário Teológico de Princeton que estavam correndo para chegar ao local da palestra que deveriam proferir mostraram-se muito menos propensos a parar e ajudar um estranho indefeso deitado no chão. Ironicamente, a palestra era sobre a parábola do bom samaritano, sobre parar e ajudar um estranho indefeso deitado no chão. Por isso, fique atento à pressão exercida pelo tempo. Atentar para a frase “Espere até amanhã” pode, muitas vezes, auxiliá-lo a tomar melhores decisões do ponto de vista moral. E postergar uma decisão pode dar-lhe tempo para consultar seus mentores éticos. Se eles não estiverem disponíveis, ponha em prática uma variação dos testes do espelho e da publicidade: imagine-se explicando suas atitudes para esses mentores. Caso isso o deixe desconfortável, ponha-se em estado de alerta.

No entanto, adotar postura ética com frequência exige desafiar colegas ou mesmo superiores, o que pode ser extremamente difícil. Os agora famosos experimentos de Milgram (nos quais os participantes aplicavam supostos choques dolorosos a voluntários previamente instruídos a fingir-se de inocentes) demonstraram como as pessoas podem ser suscetíveis a pressões impostas por outrem — principalmente por quem tem posição de poder.

Como é possível evitar sucumbir à pressão social? Os autores de The business ethics field guide dão exemplos de perguntas que podemos fazer a nós mesmos quando deparamos com tais situações: eles têm direito de me pedir isso?, outros funcionários da empresa se sentiriam da mesma forma que eu neste caso?, aonde querem chegar as pessoas que estão me pedindo isso?, issopode ser obtido de outra forma?, posso me recusar a obedecer de maneira que evite que eles se sintam constrangidosdos?. Em geral, fique com receio de fazer qualquer coisa apenas porque “todo mundo está fazendo” ou porque seu chefe mandou. Assuma a responsabilidade por suas ações.

E não se esqueça de que muitos desafios éticos enfrentados pelas pessoas no trabalho já foram enfrentados anteriormente. Como consequência, as empresas muitas vezes desenvolvem diretrizes e protocolos específicos, bem como declarações de valor. Caso você esteja em dúvida em relação a determinada situação, consulte as políticas formais de sua empresa. Ela tem um código de ética estabelecido? Se não tiver, peça orientação a seu mentor de questões éticas. E caso você esteja lidando com alguma coisa que considere claramente antiética, mas o faz temer represálias do superior, veja se sua organização não tem um programa de ombudsman ou um número para delações.

REFLEXÃO PÓS-FATO
Aprender com as experiências é uma busca iterativa e eterna: cresce-se muito após decisões serem tomadas e atitudes postas em prática. Pessoas éticas não são perfeitas, mas quando cometem erros elas os avaliam e refletem sobre eles para que possam fazer algo melhor no futuro. De fato, uma vasta gama de estudos — em diversos campos como psicologia, ciências da computação, enfermagem e educação — aponta que a reflexão é um primeiro passo essencial para aprender com experiências pessoais passadas. Refletir sobre sucessos e fracassos ajuda as pessoas não apenas a evitar repetir transgressões, mas a “segmentar uma identidade” na qual compartimentalizam sua vida pessoal e sua vida profissional, nas quais os códigos morais são bem distintos.

Contudo, a autorreflexão tem limitações. Em alguns momentos os lapsos éticos são óbvios; em outros, a escolha é dúbia. Além disso, as pessoas podem estar amarradas por suas próprias perspectivas, bem como por sua história de vida e seus preconceitos. É por isso que devemos buscar o conselho de pessoas em quem confiamos. Lide com isso da mesma maneira que lidaria com um feedback sobre desempenho: fazendo perguntas específicas, evitando ficar na defensiva e expressando gratidão.

Por fim, siga o que Amy Wrzesniewski, de Yale, chama de elaboração do trabalho: molde suas experiências profissionais adaptando-as de maneira proativa às suas tarefas, relacionamentos no ambiente profissional e até à sua percepção do seu emprego, de modo que o trabalho se torne significativo e o auxilie a realizar seu potencial. É possível promover mudanças em seu trabalho e na percepção que tem dele: elas o ajudarão a ser mais virtuoso. Por exemplo, em alguns dos primeiros estudos sobre elaboração do trabalho, Wrzesniewski e seus colegas descobriram que muitos faxineiros de hospital viam seu trabalho de uma forma que os fazia sentirem-se como médicos, não como auxiliares de limpeza. Eles não limpavam quartos somente, ajudavam a criar um ambiente pacífico de cura. Uma zeladora usava seu sorriso e seu humor para ajudar pacientes com câncer a relaxar e a se sentir mais à vontade. Ela procurava oportunidades de interagir com eles, acreditando que isso seria um brilho momentâneo na escuridão da quimioterapia que eles enfrentavam. Ela elaborou seu trabalho para ajudá-la a desenvolver e cultivar virtudes como amor, compaixão, gentileza e lealdade.

Pode ser que você não ache tão difícil ser um profissional ético. Como seus pais devem ter-lhe ensinado, apenas faça o que é certo. Porém as evidências mostram que no mundo real é muito mais difícil se manter em um terreno moral elevado; por isso, assuma o controle de sua carreira ética cultivando a humildade, preparando-se para situações desafiadoras, mantendo a calma quando ocorrerem e refletindo sobre seu grau de fidelidade a seus valores e aspirações.


MARYAM KOUCHAKI é professora de administração e organização na Northwestern University’s Kellogg School of Management.


ISAAC H. SMITH é professor de comportamento organizacional e recursos humanos na BYU Marriott School of Business.

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