Treinamento versus Aprendizado – Harvard Business Review Brasil

Empresas inteligentes já entenderam que é preciso investir no desenvolvimento de seus profissionais para torná-los mais preparados para desempenhar suas funções e trazer melhores resultados para seus negócios. Mas qual a melhor maneira de obter maiores retornos? Qual o formato ideal para os treinamentos? Como inovar?

A proposta deste artigo, baseada na ampla experiência do autor, é dar uma nova roupagem  ao conceito de sala de aula. Afinal, o aprendizado corporativo envolve relacionamento com colegas e chefes, desenvolvimento pessoal e compreensão da dinâmica do negócio. É preciso, portanto, estender o treinamento para fora dos limites da sala e mergulhar no conceito de “ambiente de aprendizagem”.  A presença dos profissionais na sala de aula é importante, mas não é mais o foco do processo de desenvolvimento.

Ao optar pelo formato do ambiente de aprendizagem (AA), as empresas estão buscando sair da formalidade, do processo protocolar, para uma ação mais efetiva de aprendizado organizacional. Sair do repertório cognitivo (instalado) e ir para o repertório prático, ou seja: os conteúdos vistos durante o processo educacional padrão são utilizados no dia a dia. E todos dentro da organização são capazes de perceber os benefícios e as vantagens práticas deste novo conhecimento adquirido por cada um dos participantes.

Um programa no formato AA muitas vezes não apresenta novos conteúdos, mas parte do que já foi ensinado para refletir sobre as dificuldades de colocar em prática e dar vida a novos comportamentos esperados pela organização.

O conceito AA respeita a questão da educação do adulto ao deixar espaço para a escolha do que é mais relevante para o participante aprender. O líder do participante também está presente em todo o processo por meio do “grupo gestor”, que se reúne periodicamente para discutir os pontos de atenção e mudanças percebidas ao longo da implantação do AA. Além disso, a aprendizagem é reforçada com a relação entre pares, que ocorre entre cada um dos módulos presenciais previstos no AA. Esses encontros acontecem dentro dos chamados “grupos de referência”.

No esquema tradicional, o profissional é geralmente convocado a participar de um treinamento orientado a um evento, que pode soar como uma ação isolada ou até mesmo espasmódica. Não é incomum que participantes em eventos de treinamentos façam perguntas como: “O que estou fazendo aqui?”, “Por que me convocaram para este treinamento?”, “Por que as outras áreas não estão envolvidas nisto?”, “Qual a novidade que temos hoje?”. Ou ainda: “Isto já foi tentado antes nesta empresa e não deu certo”. No final, surgem outras dúvidas, como: “Meu gestor sabe disto?”, “Por que o meu gestor não faz isto?”, “Todos os funcionários serão treinados?”, “Qual será a continuidade deste processo?”, “Posso conversar com os meus funcionários sobre isto?”, “O departamento de recursos humanos irá me suportar neste processo?”.

Os superiores dos participantes têm papel fundamental na criação do AA. O grupo gestor atua ativamente na formatação do treinamento e no aproveitamento do aprendizado, bem como na sua aplicação, em vez de ter simplesmente o papel burocrático de nomear as pessoas para fazerem um curso e suportar suas ausências nos dias do treinamento.

A área de RH, em vez de apenas definir questões logísticas do treinamento, passa a ter um papel ativo no desenvolvimento e construção de todo o processo. Participa como suporte à aprendizagem — que se dá por meio de ações de desenvolvimento contínuas como coaching, ambientes virtuais de aprendizagem, literatura adequada e recomendada a cada conteúdo — e na continuidade do projeto.

As pessoas sabem claramente por que estão ali. O contexto, para o aprendiz, especialmente quando adulto, é muito importante. Ele precisa saber por que está indo para a sala de aula, que tipo de solução ele irá aprender e o porquê desta ação.

Os AA oferecem a oportunidade de respeitar o estilo de aprendizagem do participante, o que aumenta a eficácia do processo. Há várias maneiras de ensinar e aprender uma mesma coisa, e os programas AA oferecem um variado leque de metodologias.

O AA é especialmente útil em alguns casos específicos, como quando é necessário implantar uma mudança cultural, criar uma linguagem comum de conceitos e comportamentos pela liderança, desenvolver talentos e novos líderes. Mas também pode ser utilizado quando é preciso desenvolver nos funcionários alguma competência comportamental ou técnica.

As melhores

A forma como as organizações constroem o seu processo de desenvolvimento profissional é crucial para enfrentar desafios contemporâneos, tais como “apagão” de liderança e de mão de obra qualificada, crescimento organizacional ou internacionalização, desenvolvimento de novas competências, estilos de liderança, cultura de alto desempenho e até mesmo uma cultura de feedback — tão necessária e desejada e, ao mesmo tempo, tão distante do cotidiano corporativo atualmente.

As conclusões dos levantamentos realizados anualmente pelo Hay Group sobre as melhores organizações em desenvolvimento de liderança (Best Company for Leadership), ao longo dos últimos 12 anos, confirmam que o processo de desenvolvimento de lideranças não é fruto do acaso, mas de ações arquitetadas pelas organizações.

As pesquisas do Hay Group também mostram que não há uma métrica ideal que possa ser aplicada indistintamente a todas as organizações para acompanhar os resultados de negócios e o sucesso na resolução dos desafios de gestão. Seja qual for a métrica adotada, ela apresentará resultados que podem ser avaliados como bons ou ruins, mas não indicam por que ou como tais resultados foram alcançados, o que torna difícil para as lideranças definirem planos de ações para a execução de suas estratégias de negócios.

O que, então, pode apoiar as lideranças durante o processo de planejar os negócios, executar as ações e alcançar os resultados esperados? A construção de ambientes de aprendizagem tem se mostrado uma resposta eficaz — por ser construído de acordo com os desafios específicos daquele momento da empresa, por incorporar seus traços culturais e, assim, facilitar a evolução e o ajuste aos novos cenários durante o desenvolvimento do processo, sejam provocados por questões internas ou influências externas.

As premissas

Adotar o modelo de AA requer algumas premissas:

1 – Processo contínuo: um AA é um processo com começo, meio e fim, com ações concentradas no processo educacional a serviço de uma solução para algum desafio organizacional. Tem que existir um contexto, uma problemática que seja percebida e ao mesmo tempo conectada com a cultura; ou, ainda, um desejo de desenvolver um novo traço cultural.

2 – Dados concretos: dentro de ambiente de aprendizagem a teoria é secundária, ou melhor, é o pano de fundo para o processo educacional. O fundamental é colocar o participante em contato com a sua prática e desafios cotidianos e ajudá-lo a encontrar saídas para estes desafios; e buscar o comportamento percebido diante de uma representação cognitiva já instalada.

3 – Reforço do ambiente de equipe: o processo educacional reforçado pela aprendizagem em outras relações que não apenas entre instrutor/facilitador e participante é fundamental. O aprendizado entre os pares e com grupos de referência é um bom exemplo. Vivemos na era da colaboração: aprender com pares contribui para um ambiente de aproximação, principalmente com os que tendem a se afastar quanto mais alto o nível organizacional, se isolando na “solidão do poder”.

A lógica do AA se baseia numa sequência de três estágios que acontecem a partir do centro, onde está o processo de mudança individual — EU. Qualquer processo de desenvolvimento organizacional começa com a mudança do comportamento individual. Em seguida, vem a mudança na equipe e demais pessoas próximas do agente da mudança; por fim, o impacto se estende a outros stakeholders.

Esta lógica pode servir como uma marca do programa, um recurso visual que gere impacto nos participantes e na organização. A imagem pode ainda ter algumas mensagens ao seu redor, como competências a serem desenvolvidas, desafios estratégicos e outras informações de impacto para os participantes; uma espécie de footprint (pegada) que torna o processo mais concreto e cria uma marca para nortear a liderança na direção do perfil desejado pela organização.

O footprint da liderança define as crenças a respeito das competências e responsabilidades de um líder dentro de todas as áreas da organização; resume as competências, comportamentos, valores e atitudes dos colaboradores de forma estruturada, ou seja, é uma marca importante que determina o que é ser um líder dentro deste ambiente.

É necessário, nos AA, manter o mesmo grupo de pessoas nas turmas, ou seja, os participantes que começam o processo devem ficar juntos até o final, para que se estabeleça um ambiente de confiança e de troca, também muito importante neste conceito.

A maneira de abordar os assuntos em sala de aula também é diferente em relação a um processo habitual de treinamento. O consultor atua mais como um facilitador dos participantes diante das dificuldades de cada um para colocar em prática conhecimentos já vistos anteriormente, ou em fase de apresentação dentro do processo de sala de aula. É fundamental que o consultor tenha pleno domínio da cultura e dos desafios da empresa para que, tanto em sala de aula quanto nos demais fóruns do AA, esteja integrado ao contexto da organização.

A experiência do Hay Group nos últimos anos com esta abordagem demonstrou que os resultados obtidos por meio do formato AA foram bem superiores aos obtidos em processos tradicionais de treinamento e desenvolvimento — tanto por parte das empresas, mas principalmente pelos participantes, que percebem o alinhamento das diversas ações educacionais com as suas expectativas profissionais, bem como com a estratégia organizacional proposta.

Desenvolvimento de liderança ou ainda de potenciais talentos tem sido nos últimos anos um fator crucial em todos os mercados. O problema ainda permanece, apesar da desaceleração econômica mundial em função da crise na Europa. E só tende a se agravar quando a crise passar e os diversos segmentos entrarem novamente em um ciclo de crescimento.

O investimento em desenvolvimento de lideranças de forma consistente não é apenas uma questão de sobrevivência de curto prazo, mas uma necessidade de sustentabilidade do negócio para um futuro próximo de ciclo de crescimento acelerado, onde ter gente qualificada e comprometida — seja nas posições de técnicas e, principalmente — de gestão fará ainda mais diferença do que hoje.

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